França recua, e acordo União Europeia–Mercosul entra em fase decisiva em Bruxelas
Tratado prevê abertura de mercado para 750 milhões de pessoas, redução de tarifas e salvaguardas inéditas para a agricultura europeia

Belém (PA) – A Comissão Europeia apresentou nesta quarta-feira (3), em Bruxelas, o texto final do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, após duas décadas de negociações. O tratado cria um mercado de 750 milhões de pessoas e reduz tarifas de ambos os lados do Atlântico, em um momento de tensões globais acirradas pela ofensiva protecionista de Donald Trump.
A mudança de postura da França, até então principal opositor do pacto, foi decisiva. O governo de Emmanuel Macron aceitou cláusulas de salvaguarda para produtos agrícolas, como carnes, açúcar e arroz, que preveem acionamento de apoio financeiro aos agricultores em caso de desequilíbrios de mercado. O fundo de compensação poderá chegar a € 1 bilhão (R$ 6,3 bilhões).
“Hoje a Comissão apresentou um pacote que inclui uma cláusula de salvaguarda reforçada para os produtos agrícolas. É um passo na direção certa”, escreveu no X o ministro francês de Comércio Exterior, Laurent Saint-Martin. A sinalização foi recebida como inédita em Bruxelas, embora tenha provocado críticas de aliados tradicionais da França, como a Polônia.
Aprovação em etapas
O acordo ainda precisa ser aprovado em diferentes instâncias. No Conselho da União Europeia, a decisão depende de maioria qualificada de 15 dos 27 países, representando ao menos 65% da população do bloco. Em seguida, será votado pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde basta maioria simples.
O texto foi fatiado para acelerar a tramitação: a parte estritamente comercial será apreciada primeiro. Outros pontos, como cláusulas ambientais, direitos humanos, regulação digital e combate ao desmatamento, ficarão sob análise posterior dos parlamentos nacionais, processo que pode levar anos.
Impactos e resistências
Países como Espanha e Alemanha pressionavam pela conclusão do tratado, argumentando que ele pode reduzir a dependência da Europa em relação à China e amenizar os impactos do tarifaço imposto pelos EUA. Já críticos, como setores ligados ao agronegócio europeu, temem aumento da concorrência com produtos do Brasil e de outros países do Mercosul.
O comissário de Comércio da UE, Maros Sefcovic, afirmou que os parceiros sul-americanos foram informados das exigências adicionais. “Isso não está no tratado, mas é o que precisamos para que funcione na Europa”, disse, após encontro com embaixadores do Mercosul.
Próximos passos
Do lado sul-americano, o pacto também precisará ser ratificado pelos parlamentos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A expectativa da Comissão Europeia é que o núcleo do tratado esteja aprovado até o fim do ano, coincidindo com a presidência temporária do Brasil no Mercosul.
O texto deve enfrentar resistência no Parlamento Europeu, onde ambientalistas, populistas e parte da extrema direita prometem se alinhar contra o acordo. Para os críticos, o risco é de enfraquecimento do rígido padrão ambiental europeu. Já para apoiadores, trata-se de uma oportunidade estratégica para ampliar o espaço comercial europeu em meio à turbulência global.